O meu problema com lacradores é que não existe lacração nem quebra de tabu de verdade.
Vamos tentar, antes de eu arrumar briga com 90% da internet, digredir em alguns conceitos para fins mais didáticos e para ver se eu faço um pouco de sentido. Não que sentido seja exatamente o propósito, veja bem, se existe uma procura de sentido para um blog que nem tem um escopo principal no seu editorial (haha editorial...) o problema está no leitor que procurou sentido, não em mim. A culpa está sempre no outro, afinal de contas. (SARTRE, 1944)
Primeiro, o que é tabu? Ora ora, essa parece até fácil. Qualquer dicionário vai vir com um conceito engessado (mas nem por isso não adequado) sobre o verbete, relacionando-o sempre como: tema a ser evitado socialmente, ao assunto não falado, geralmente movido por uma construção religiosa (aqui daria para elencar a maioria dos tabus sexuais, por exemplo) ou social/tradicional.
O tabu quando ventilado gera desconforto, sorrisos amarelos, rostos corados e até mesmo opiniões inflamadas sobre moralidade e bons costumes.
Nessa sociedade moderna, movida por quebras de conceitos e paradigmas, onde existe uma juventude conectada disposta a mergulhar em assuntos que antes não eram desbravados, costuma-se esbarrar constantemente em tabus.
E aqui chegamos na lacração de internet, na turminha lacradora e nos movimentos de pautas identitárias que em geral são vinculadas à terminologia. Conceituar a lacração, claro, já é uma tarefa mais difícil. Entretanto, esbarrei em uma reportagem interessante outro dia, que definia lacração como uma atividade há muito utilizada (pelos gregos, para variar) e tinha outro nome: sofisma.
O sofisma é o oposto da dialética, é a vitória no debate pela vitória no debate, avesso à verdade e ao conhecimento. Afinal e paradoxalmente, uma das características mais reiteradas por Platão para definir o sofista seria aquele sujeito que aparenta saber de tudo. Obviamente, sabe-se que é humanamente impossível a detenção de todo o conhecimento existente. Mesmo assim o sofista se engrandece pela sua capacidade de definir o que para ele mesmo, dentro da sua razão e capacidade, não haveria de se conseguir definir. O sofista é um grande orador, por excelência, mas não tem nenhum apreço pela verdade. (PLATÃO, 2003)
Onde é que se quer chegar, afinal de contas?
O meu ponto é, a maior parte do debate da internet gira em torno de retórica sofista (lacração) para, teoricamente, abordar temas que seriam tabus. Não que os temas não seriam de fato tabus, mas a quebra de tabu promovida por alguns grupos partem de premissas duvidosas e o questionamento do cerne dessas mesmas premissas acabam virando novos tabus dentro daquele mesmo grupo.
Digo "premissa duvidosa", pois a própria construção da premissa não é aparente no discurso. A premissa é construída, replicada e nunca, de fato, questionada.
Por exemplo, a turba que deitou o pau no PC Siqueira de fato partiu de questionamentos pertinentes sobre a análise da pedofilia, como fetichização e transtorno psiquiátrico, ou engatou-se um discurso pronto sobre a polêmica? Claro que pedofilia é o tabu dos tabus, então vamos para "polêmicas" mais palatáveis:
Quando Babu disse em rede nacional que a palavra "negro" deriva da palavra grega "nigro" que seria "inimigo", houve pesquisa série sobre a etimologia da palavra em alguns cantos da internet, outros preferiram apenas replicar a fala sem qualquer análise mais aprofundada.
Os movimentos body positive levantam a bandeira da patologização do corpo gordo, mas de fato abordam as inúmeras pesquisas científicas correlacionando excesso de peso com aumento de risco de demais doenças?
A galera que senta a lenha na pornografia já se questionou até que ponto a pornografia replica o mero comportamento animal? Essa aqui vai mais numa linha de: o que veio primeiro, a pornografia ou o masoquismo?
Eu poderia citar inúmeras outras discussões polêmicas, mas o ponto é: o debate das redes sociais não dá espaço para questionamento de premissas, o debate de internet não se importa, bem da verdade.
A mediação por imagens que ocorre na internet só dá espaço ao sofisma e ao raso, sem momento para o questionamento do questionamento, para a quebra do tabu da quebra do tabu.
Não quero aqui pagar de "mamãe falei" e usar o bordão clássico do questionamento incessante sobre qualquer coisa. Inclusive, é preciso dar o mérito para as pautas identitárias e para os lacradores, esses costumam ir mais fundo nos meandros sociais do que todos os grupos conservadores juntos, que seja feita, portanto, a justiça.
Entretanto, a turba massificada de opiniões e o comportamento de manada que a internet promove reverbera em um comportamento de lacração que não se interessa absolutamente para a verdade das próprias pautas e facilita um abandono ao diálogo e um abraçar do caos polarizado da política atual.
Lembremos que, afinal de contas, a polarização subentende dois polos opostos que estão avessos ao verdadeiro debate, e aqui fica a autocrítica para a esquerda que se acha super esclarecida mas que, no final, se usa da internet apenas para alimentar as próprias verdades.
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/09/como-a-filosofia-explica-a-cultura-da-lacracao-e-da-mitagem-na-internet.htm
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