Essa história começa com um homem sentado na frente de um computador, dentro de um espaço corporativo, no início da terceira década do século XXI. Ele está vestido de forma muito próxima com o rigor necessário para a profissão que exerce. Ele estuda, ele trabalha, ele vive e ele dorme. Sua capacidade física não é das melhores por isso tenta compensar com esforços intelectuais visando alcançar o que acredita ser sua evolução.

Apesar de esse não ser o começo da história desse homem, ele sabe que dentro de si algo começou. Pela primeira vez ele sentiu algo que não sentira antes, pensou algo que não pensara e iniciou algo que jamais iniciara.

Esse texto. Mas por que esse texto é novo?

O objetivo de escrever essa redação é simplesmente tentar entrar em um lugar raramente visitado, mas por uma porta diferente e municiado de ferramentas diferentes. Apesar de ser um lugar conhecido, há poucas informações que garantam como o lugar estará, se será iluminado ou escuro, organizado ou bagunçado, um quarto, um banheiro ou um salão vazio. De uma certa forma parece um pouco de cada uma dessas coisas.

Aparentemente há uma (ou mais) voz que o guia, ou pelo menos o acompanha. Ela incentiva, ela impulsiona, ela promete uma revelação ou pelo menos uma recompensa valiosa o suficiente, que justifique essa aventura. Diz a voz:

- É esse o caminho. Ou pelo menos um deles.

Naturalmente há outra (ou mais) voz que o repele. Ela é cautelosa, carinhosa e desdenha do homem de forma sutil, soando como um acalento, mas também como uma ameaça. Ela soa baixa e sussurrante, mas certeira:

- Sério que tu quer entrar aí de novo? É pela tua conta em risco. Tu sabe o que pode acontecer se tu entrar aí.(?)

Essa última frase soa como uma afirmação e uma interrogação ao mesmo tempo. Confuso o suficiente pra segurar um dos últimos passos do homem que está descendo a escada e já enxergando a porta de madeira ladeada por uma parede de pedras cinzas, com tons medievais.

- Um pouco brega.

Essa afirmação foi de qual voz? Talvez da segunda, talvez de outra, ele não sabe, mas prestando rapidamente a atenção, lhe parece ter sido sua própria voz.

O homem respira fundo e avança em direção a porta, que se abre sozinha, sem ranger e sem obstáculos, como se obedecesse a um chamado (ou seria um grito?) de dentro do homem. A próxima visão é a de um chão de nuvens, um céu colorido, rosa e dourado, e vários arco-íris por todos os lados.

- Impressionado?

O homem pensa que não. E, por mais que ele normalmente confie no que seus olhos lhe mostram, ele não acredita muito naquele cenário. Não sabe dizer bem por qual motivo, mas de alguma forma aquilo lhe parece irreal.

Ou esse pensamento na verdade vem de alguma das vozes, que agora soa mais com medo do que ameaçadora. Pode muito bem ser outra voz se fazendo ouvir pela primeira vez ou uma se passando pela outra.

De qualquer forma, o homem acha que o cenário já não é mais exatamente o mesmo, as nuvens antes brancas como a neve agora parecem ser feitas de chumbo e um certo tremor percorre o ambiente (sala? quarto? as nuvens são paredes?) quando uma chuva fina e persistente começa a cair.

Roncos longos, mas distantes, parecendo trovões, chegam aos ouvidos do homem e quase como se misturado ao lúgubre som das nuvens se digladiando, ele ouve:

- Eu avisei.

Um sorriso de canto de boca surge no rosto do homem, meio debochado, meio incrédulo, meio temente.

Ele se nota ainda sem ter passado a porta, ou teria passado? Parece que seu poder de enxergar o permite também sentir e andar por onde a visão alcança, mas de forma limitada. Ou será que a porta é um quadro?

O que ele aprendeu nesse lugar? As novas ferramentas funcionaram? O que tudo isso significa?

Ele pensa se está na hora de virar de costas e subir as escadas, mas alguma coisa o segura. Após se perder e se encontrar no labirinto de sua mente (ou na mente de sua mente) ele se volta para o vão da porta e enxerga uma noite escura como o ébano, estrelada e bela, silenciosa como só o período noturno consegue ser.

Uma interferência surge nos seus pensamentos e ele se sente incomodado com tudo aquilo. Vira as costas e enxerga alguns degraus, que passam por debaixo dos seus pés quase que automaticamente.

O homem promete voltar, há mais coisas naquele lugar, ou então em outro lugar. Ele conclui (acredita?) que realmente não há como definir se alguma vez poderá voltar praquele lugar, mas que sempre haverá algum lugar para voltar. Isso conforta o homem, de certa forma.

As vozes diminuem o volume ou então se aquietam. Quando já quase de volta para o seu computador (talvez não fosse o lugar ideal pra esse texto, mas talvez não houvesse opção), o homem apenas escuta uma frase, de uma voz (ou de todas?) com tom provocador e acolhedor ao mesmo tempo:

- Até breve.